Críticas | Por Bosco Martins | 17/06/2019 10h08

Diretor da TVE/MS analisa o filme A Mula e o livro MULAS

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Mulas do tráfico: um tiro no escuro

Por Bosco Martins

O que há em comum entre o último livro do escritor sul-mato-grossense Luiz Taques e o mais recente drama cinematográfico do ator, cineasta e diretor norte-americano Clint Eastwood?

Drogas.

Sim, o tráfico de drogas.

Pois o filme (“A Mula”), de Eastwood, e a novela (“MULAS”), de Taques, por coincidência, tratam desse assunto e em ângulos palpitantes.

As obras são de ficção, embora baseadas em fatos; possuem semelhanças nas tarefas executadas por ‘mulas’. Porém, adquirem formas próprias em suas trajetórias no instante do desenvolvimento dos enredos.

O filme foge do estereótipo de pagamentos insignificantes para a bolivianinha do livro de Luiz Taques. O americano branco (e idoso de Clint Eastwood) ganha de acordo com o peso da carga de cocaína que será transportada. E, em sua segunda viagem, já adquire um carro novo, reforma o clube dos militares e ajuda na educação da neta, a neta que ele não viu crescer.

No livro “MULAS”, para a bolivianinha, adolescente, desprovida de estudo e, portanto, de futuro incerto, quando presa, sobra o mundo cão: o estupro, a exposição na mídia e a doença. Ou seja, os seus aliciadores compram barato todo o pacote.

A ‘mula’ é uma metáfora e se refere àquele indivíduo que transporta drogas, a mando de alguém, um alguém geralmente poderoso.

Enquanto no filme de Eastwood a ‘mula’ americana vai presa e (subentende-se) deixa um bom dinheiro para a família, na criação literária de Taques, as obviedades do ofício são jogadas na cara do leitor. Ali, na fronteira oeste brasileira, a maioria parece ser formada por mulheres, quase sempre analfabetas funcionais, carentes de perspectivas de sobrevivência digna, enganadas por amores de contos de fadas, as que mais se aventuram como ‘mulas’.

O fio condutor da narrativa de Luiz Taques é a heroína bolivianinha da cidade de Puerto Suárez. No filme, o consagrado ator e cineasta interpreta Earl Stone, o aposentado de guerra que se volta ao cultivo de flores (lírios) de uma forma tão devotada que o conduzem à falência e ao distanciamento de sua família. As dificuldades financeiras da velhice também o levam a se tornar uma ‘mula’.

Eastwood e Taques, com olhares aguçados, acertam em cheio ao investigar, com os seus trabalhos, a delicada e controversa questão das drogas. Numa história, na do filme, o cartel contrata um homem respeitado, senhor probo, para servir como ‘mula’, visando, assim, confundir os agentes da lei. Na outra história, na do livro de Taques, os agentes da lei estão a todo o momento ocupados, reprimindo e procurando por jovens desajustados socialmente, feito a bolivianinha, figura sempre invisível para a maior parte da sociedade.

As estruturas formais do filme se assemelham ao mistério semântico da prosa de Luiz Taques que, sutilmente, cria, mexe e remexe com as palavras, se servindo com maestria e de uma maneira bastante simbólica da linguagem popular.

Ainda que produzidos em gêneros diferentes, um roteirizado e outro numa literatura pródiga, “MULAS” e “A Mula” atingem de forma direta a consciência dos leitores/ espectadores consternados com sua própria omissão e cegueira providencial.

Os personagens de Luiz Taques, especialmente, e o de Eastwood, numa escala menor, “protagonizam”, como bem disse em uma resenha crítica a psicóloga Maria Lúcia Medeiros Teixeira, “uma obra não exclusiva em que a violência física, sexual, emocional e psíquica, ultrapassa os limites das leis e da condição humana”, sobretudo para a mulher, aquela mulher que não tem formação, a sul-americana de países com imensas desigualdades salariais, a que não vê luz ao final do túnel.

Nesse universo da fronteira seca, seja do Brasil ou dos Estados Unidos com o México, a triste constatação das duas belas concepções artísticas: “A Mula”, de Eastwood, e as “MULAS”, de Taques, entram no tráfico por falta de opção ou por necessidade, e se arriscam em missões que, na grande maioria das vezes, têm um final nada feliz. Um tiro no escuro!

*Bosco Martins, jornalista e poeta, é diretor-presidente da Rádio e TV Educativa de Mato Grosso do Sul e presidente do Fórum Nacional de Emissoras Públicas e Culturais.

Filme: A Mula.
Duração: 116min.
Direção: Clint Eastwood/2019.
Elenco: Clint Eastwood, Bradley Cooper, Andy Garcia e Laurence Fishburne.
Gênero: Drama/ Biografia.

Livro: MULAS
Autor: Luiz Taques
Publicação: 2019
Editora KAN
Gênero: Novela/ 90 páginas
Vendas pelo e-mail: novelamulas@gmail.com

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