Entrevista | UEMS | 21/09/2017 09h40

Adriana Lúcia de Escobar

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Professora da UEMS/CG lança livro evidenciando a mulher paraguaia

Durante o SIGET/2017 (Simpósio Internacional de Gêneros Textuais), que aconteceu em Campo Grande, no mês de setembro, a professora doutora Adriana Lúcia de Escobar Chaves de Barros, do curso de Letras da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) lançou o seu livro intitulado Fronteira(s) Paraguai/Brasil: narrativas sobre (de)colonialidade, culturas, línguas e identidades. O livro apresenta sua pesquisa de pós-doutorado, cursado na USP, sob a supervisão da professora doutora Walkyria Maria Monte-Mór.

O livro traz conceitos teóricos do pós-colonialismo, ao Estado-nação, à (de)colonialidade e à fronteira, percorrendo a história oficial nos períodos pré-colonial (a partir do século XV), colonial e pós-colonial (tempos atuais). A autora discorre cronologicamente, sobre os cenários políticos, sociais, econômicos e culturais da Europa, da América Colonial, das colônias independentes, do Paraguai e da cidade de Pedro Juan Caballero, intercalando a teoria crítica pós-colonial, a lógica decolonial e as narrativas das paraguaias entrevistadas.

Segundo o autor do prefácio, Leonardo Leite de Barros, “o livro nasce como um trabalho acadêmico cumpre o papel, sem ser professoral”. Trata-se de “uma escrita cativante, delicada e cheia de sentimentos que leva o leitor a um mundo de misturas, onde imperam a cultura platina, suas derivações imperfeitas e cheias de rancores, medos, amores”.

Acompanhe e entrevista com a Adriana Lúcia de Escobar Chaves de Barros.

ACS – Olivro surgiu de uma pesquisa de pós-doutorado. Como emergiu esse desejo de pesquisar a cultura, língua e identidade na fronteira Brasil/Paraguai?

Professora Adriana – Sou carioca e a fronteira mais próxima da qual tive contato durante toda uma vida, foi com o mar. Há sete anos mudei-me para o Mato Grosso do Sul e desde então me interesso pelas culturas, línguas e identidades desta região. Por meio dos relatos de uma aluna paraguaia, Pilar (nome fictício) – uma das três narradoras do livro-, percebi que a discriminação contra os paraguaios é recorrente, principalmente, na região fronteiriça de Pedro Juan Caballero, Paraguai e Ponta Porã, Brasil, onde, apesar de aparentemente não haver qualquer barreira física separando as duas cidades, os notórios contrastes econômicos e sociais que favorecem o lado “verde e amarelo”, legitimam a superioridade brasileira sobre os paraguaios e acirram as tensões entre eles. Considerando que o conceito de decolonialidade possibilita a reconstituição das histórias silenciadas, das memórias apagadas, das subjetividades reprimidas, das línguas inferiorizadas e dos conhecimentos esquecidos, busquei aprofundar as matrizes teóricas pós-coloniais e decoloniais sobre culturas, línguas e identidades daquela fronteira, resgatando, por meio das narrativas de três paraguaias, suas próprias versões sobre as histórias.

ACS – Como as narrativas das paraguaias entrevistadas na pesquisa apresentam o cenário da Europa, da América Colônia e do Paraguai?

Professora Adriana – As três narradoras escolhidas têm vasto conhecimento sobre as histórias da Europa, da América Colonial e do Paraguai. Mburucuyá (nome fictício) é professora de História em uma Universidade do Mato Grosso do Sul; Pilar é professora de Espanhol e Azucena, professora de inglês, ambas são estudiosas e pesquisadoras da História do Paraguai. No entanto, baseada nos conceitos teóricos sobre narrativa, cunhados por Bruner (1986, 1991), e na teoria do “desconstrucionismo” de Derrida (2008), que acredita na inexistência da verdade absoluta das estórias narradas, não tenho a intenção de fazer emergir a veracidade dos acontecimentos, mas ouvir as versões interpretadas e construídas em relação às realidades dessas narradoras, buscando compreender a individualidade dos contextos culturais estudados, por meio dos seus olhares situados.

ACS – Quais aspectos mais importantes você destaca das entrevistas com as paraguaias?

ProfessoraAdriana– Sem a aspiração de “dar voz” ou falar em nome do povo paraguaio, as entrevistas foram uma oportunidade para que essas três paraguaias falassem sobre as suas próprias histórias. Quanto aos aspectos mais importantes, eu destacaria o fato de suas narrativas terem sido um grito em favor à tolerância e à diversidade; um protesto contra o sistema mundo moderno/colonial, que estabelece fronteiras, constrói barreiras e marginaliza nações; uma crítica às patologias da ocidentalização, causadas pelo caráter excludente das relações modernas/coloniais de poder, que constroem o “outro” por meio de uma lógica binária e de repressão às diferenças.

ACS – Quais características de identidade foram estabelecidas nas entrevistadas pela lógica decolonial?

Professora Adriana–Essa pergunta está respondia no decorrer da leitura do livro. Mas, a fim de trazer um exemplo, trago as palavras de Mburucuyá ao falar sobre a identidade da mulher paraguaia:

A história da mulher paraguaia é bastante peculiar. Nossos costumes vêm dos primórdios de quando éramos índias guaranis, antes da colonização. Naquela época, além de cuidar da família, éramos nós quem cultivávamos a terra. [...] Fomos entregues, pelos nossos caciques, aos espanhóis, como prova de amizade e lealdade. Servíamos-lhes de companhia, cuidávamos dos afazeres domésticos e satisfazíamos suas necessidades sexuais. Durante a guerra, éramos “residentas” nos acampamentos, acompanhando e servindo os nossos maridos. As que foram declaradas “destinadas” não escolhiam os homens os quais eram obrigadas a satisfazer. A escassez de soldados, nos levou aos campos de batalha, carregando nossos filhos em uma mão e as armas na outra. Quando a guerra acabou, enterramos nossos maridos e filhos e fomos para o centro de Assunção. Estávamos sós, com fome, descalças, sem termos para onde ir. Sobrevivemos como pudemos. [...] Aprendemos a ser femininas, charmosas, amorosas. [...] Mas, o que mais a mulher paraguaia sabe fazer é cuidar do marido e dos filhos. [...]Os homens brasileiros têm uma visão errada da mulher paraguaia. Quando nos veem bonitas, arrumadas e perfumadas, acham que estamos nos insinuando, nos oferecendo, mas isso não é verdade. Eles apenas não conhecem a nossa história.

O Livro Fronteira(s) Paraguai/Brasil: narrativas sobre (de)colonialidade, culturas, línguas e identidades pode ser adquirido pela Editora Pontes, ou pelo meu e-mail pessoal da autora, chaves.adri@hotmail.com.

Adriana Lúcia de Escobar Chaves de Barros é Pós-Doutora em Letras Modernas pela USP (2016-2017). Doutora em Estudos da Linguagem pela PUC-Rio (2010). Mestre em Administração de Empresas com especialização em Marketing pelo IAG Escola de Negócios da PUC-Rio (2006). Diplomada no curso de pós-graduação em Management (MBA) pelo IAG Escola de Negócios da PUC-Rio (2003). Diplomada no curso de pós-graduação em Metodologia do Ensino da Língua Inglesa, (DOTE - Diploma for OverseasTeachersofEnglish, RSA) pela Universidade de Cambridge, Inglaterra (1994), adquirindo o título de Royal SocietyofArts. Graduada em Letras Português-Inglês Licenciatura Plena pela PUC-Rio (1984). Atualmente é professora efetiva da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, ministrando aulas nos cursos de graduação e de pós-graduação strictosensu do Mestrado Acadêmico e Profissional em Letras.

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