Gastronomia | Da redação | 15/01/2016 11h29

Família de MS produz bebida alcoólica mais antiga do mundo

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Uma propriedade rural simples, onde homem e natureza vivem em perfeita harmonia, sem o uso de agrotóxicos nas plantas cultivadas. Olhando deste ângulo, a estância Renascer, do apicultor Nicanor Ramos, poderia ser apenas mais uma dentre tantas da agricultura familiar que vive a base dos preceitos da agroecologia, em busca de uma produção de alimentos 100% natural.

Poderia ser, mas não é. Pois nesse pequeno rancho, no município de Terenos, a família de apicultores não só é um exemplo de sustentabilidade, como ainda guarda uma iguaria milenar. Trata-se da fabricação artesanal do hidromel, bebida essa considerada a mais antiga do mundo, com registro de consumo datado antes do nascimento de Cristo.

Divino Néctar

Para quem nunca ouviu falar, o hidromel é uma bebida feita a base de água e mel sob fermentação natural. Acredita-se que a sua produção tenha se originado antes mesmo do vinho e da cerveja. “Sua riqueza não está só no sabor único como em sua história. Segundos achados históricos, era uma bebida muito apreciada pelos povos nórdicos, vikings, e também pelos gregos e romanos, que a usavam para brindar quando voltavam das batalhas. A chamavam de néctar dos deuses”, explica Nicanor.

E para aqueles que acham que o hidromel é apenas uma mistura curiosa, distante do nosso cotidiano podem ser surpreendidos, pois se nada vem do nada, certos costumes da modernidade podem ser entendidos com um simples olhar no passado. “Todos noivos são questionados sobre a lua de mel, onde irão passar e tal. Mas o que poucos sabem é que o termo lua de mel vem do hidromel. Na Grécia Antiga, os gregos ofereciam a bebida aos recém-casados, porque a consideravam afrodisíaca, sinônimo de fertilidade para que o casal tivesse a sorte de conceber filhos varões. Daí a expressão lua de mel”, conta o apicultor.

Dedicação

Na estância, Nicanor conta que a ideia da fabricação artesanal surgiu como forma de agregar valor ao trabalho da família. “Mel é uma coisa fácil de lidar, mas você tem que agregar valor para tem renda. A ideia de mexer com a bebida veio daí. Não é algo difícil de fazer, mas você tem que ser dedicado para chegar a um resultado”, avalia.

E para ter êxito nesse segmento, a família formada pelo casal de apicultores e suas três filhas, conta com o suporte técnico, através do trabalho da Alespana (Associação Leste Pantaneira de Apicultores), do município de Aquidauana, a qual é associada. Além do acompanhamento da zootecnista e coordenadora regional da Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural) de Anastácio, Vera Lúcia Golze.

Com experiência no setor, o produtor rural relata que o desafio maior não está na produção em si, mas em encontrar quem estivesse disposto a compartilhar o conhecimento sobre tamanha iguaria. “No Brasil não são muitas pessoas que mexem com isso e as que mexem não querem ensinar. O único disposto a nos ensinar foi um engenheiro agrônomo, holandês radicado no País”, lembra.

De lá para cá, a família Ramos só fez se especializar nessa doce cultura. “O brasileiro tem mania de querer resultado imediato e o hidromel não se chega a um resultado rápido. Você pega um produto simples para ter outro diferenciado. Costumo dizer que a abelha nos dá o mel, mas que cabe a nós encontrarmos formas de agregar valor ao produto”.

Resultados

No mercado desde 2003, os esforços já vêm mostrando alguns resultados. “Do mel não se perde nada, tudo é aproveitado. Aqui mesmo fazemos um molho picante, excelente para temperar pratos de peixe, frango, lombo de porco e saladas. É uma receita desenvolvida por nós e que está sendo patenteada junto a UCDB [Universidade Católica Dom Bosco]”, conta.

Quanto ao hidromel, Nicanor diz que a bebida continua sendo aperfeiçoada. “Já fizemos o selo da bebida, a rolha. Tudo é cuidado com muito carinho até chegar ao consumidor com a máxima qualidade. Mas o trabalho tem que ser aprofundado mais e mais. Buscamos a Agraer para nos associarmos a Alespana e com isso conseguimos destacar a produção. São entidades que nos ajudam no processo de manutenção da qualidade do mel”.

Atenção essa que motivou Nicanor e a esposa, Fátima, a buscarem maior profissionalização no setor. “Como sou formado em Direito, pude buscar uma pós-graduação e optei pela especialização em ‘Agregação de Valor e Industrialização da Agricultura Familiar.Enquanto, a Fátima recebeu em 2014 o prêmio ‘Sebrae Mulher Empreendedora’”.

Dentro do apiário, a produção é mais intensa do final de agosto até meados de dezembro, período da estação mais florida do ano, primavera. “Há uma diferença entre flor e florada. Flor é o que vemos todo ano, enquanto a florada é a fase de maior número de flores e, lógico, tempo de intensa produtividade das abelhas. Nesta safra, como as flores desabrocharam quase que todas de uma vez a produção não foi das melhores, tivemos 40 kg, mas a meta para 2016 é chegar a 100 kq”, informa.

E do que depender da força de vontade deles e da produtividade das abelhas, tanto a qualidade do mel como a receita do hidromel continuarão preservados. “O sonho de todo apicultor é abrir as caixas e ver que elas estão cheias de mel. Aqui só limpamos o espaço que vamos utilizar. Tem mais de dez anos que veneno não entra aqui. Qualquer pessoa que andar por aqui verá desde uma plantação de pimenta até árvores frutíferas. Tudo é pensando também para as abelhas”.

Hidromel

No Brasil a tal bebida dos deuses ainda não detém muito o mercado. Contudo, a tendência pelos produtos artesanais é um fator que torna o setor atraente. “Cada vez mais as pessoas querem consumir produtos naturais. O hidromel é um produto entre outros tantos da agricultura familiar que oferece isso”, afirma Nicanor.

O apicultor garante que a bebida tem o dom de agradar os mais diferenciados paladares, afinal não era à toa que os povos primitivos atribuíam propriedades mágicas a ela. “O sabor típico do mel agregado a uma infinita possibilidade de sabores e aromas fazem do hidromel algo tão bom quanto a cerveja ou o vinho. É uma bebida que reúne o melhor dos dois mundos”, brinca ele.

Atualmente, acredita-se que haja cerca de 30 tipos de hidromel que vão desde o melomel, que leva adição de frutas, ao pyment, produzido com uvas ou sucos de uvas. Além da gama infindável de variações por conta das diferentes espécies de abelhas. “Cada espécie tem uma qualidade de mel e isso influi no processo do hidromel. Nós trabalhamos com a Apis Melífera, também conhecida por abelha europa”, diz o produtor.

Do apiário aos consumidores

Com clientela cativa, a família comercializa seus produtos, em especial o hidromel e o molho de mel com pimenta entre os visitantes da propriedade e também em Campo Grande. No caso do divino néctar, a garrafa de 500ml é comercializada a R$ 60,00 a unidade. Um valor que pode parecer caro em um primeiro momento, mas não se observado o tempo de preparo. “No Brasil, o tempo de envelhecimento é de um ano. Mas em países europeus chega a dois anos. Você tem que ter um cuidado para não entrar oxigênio no reservatório ou vira vinagre”, detalha.

Apesar das dificuldades, o mercado do hidromel tende a crescer, já que faz parte da busca pelo artesanal. O desenvolvimento desse mercado já é visível tanto na Europa quanto nos Estados Unidos e no Brasil a perspectiva não é diferente.

Pela proximidade da bebida com os enlaces matrimoniais, Nicanor é questionado sobre a possibilidade da bebida retornar as suas origens, brindes de casamento, visto que é cada vez maior o número de noivas que buscam inovar nessa data tão importante. “É uma sugestão interessante, pois ela estoura como um espumante, além de ter toda uma simbologia. Agora, o sabor só mesmo experimentando”, finaliza ele em tom descontraído.

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